Login

Comprar

Para alunos e pais

Para professores

Para instituições

Outros produtos, serviços e funcionalidades

Blogue EV e Webinars

Ajuda

A roda do tempo

O meu bebé-menino é agora um rapazinho. Um rapazinho que está prestes a entrar num mundo que desconhece onde os números ganham sentido e as letras formam palavras que voam e são viagens.

Ainda me lembro bem do meu primeiro dia de escola. A memória é tão presente que consigo descrever a roupa que levava, quais os desenhos da minha mochila e, acima de tudo, qual o cheiro do vestíbulo. Aprendi, durante os quatro anos que lá passei, a amar aquele cheiro que, descobri mais tarde, era responsabilidade da cera que a menina Marcelina passava no chão de tijoleira, tão típico das escolas do Alentejo.

No meu primeiro dia de aulas senti-me crescida e especial. Era como se, de repente, estivesse prestes a descobrir todos os segredos do mundo. E hoje olho para o Pedro, a poucos dias de entrar no primeiro ano, e sinto coisas que nem consigo descrever.

O tempo, essa roda em que nos prenderam, girou demasiado depressa nos últimos seis anos. O meu primeiro bebé é agora um menino, com um buraco no lugar de um incisivo superior e com o outro, já definitivo, a parecer absurdamente grande. Vai para a escola, este Pedro. E às dúvidas e inquietações que, acredito, são transversais a todos os pais, juntam-se as que nascem da surdez que o acompanha.

Ao comum “será que ele vai gostar da escola?”, quando os nossos filhos são diferentes junta-se uma dúvida maior: “será que a escola vai gostar dele?”. E esta última é a questão que mais importa. Independentemente do diagnóstico, quem tem filhos “diferentes” sabe que a entrada no primeiro ano vem acordar os receios que permaneciam adormecidos pelos três anos de rotina estabelecida no pré-escolar.

Vai existir uma professora. Vão chegar novos colegas. Vão instalar-se dinâmicas que lhes são desconhecidas. Vai ser-lhes exigida outra atenção. Vão ser avaliados. E não há como não questionar se eles estão preparados para o que aí vem, se têm maturidade suficiente para lidar com os novos desafios ou se vão ser felizes na nova “casa”. E depois, num lugar um bocadinho menos luminoso, questionamos se os novos colegas os vão compreender e aceitar, se a professora vai ter paciência para as suas especificidades e se a escola vai perceber que, dentro da diferença, os nossos filhos são tão só e apenas crianças como todas as outras.

A entrada do Pedro na escola provoca-me alguma ansiedade. E no meio da excitação boa das listas do material escolar, da adaptação do quarto e da plastificação dos livros, há uma espécie de velinha do medo cuja chama permanece acesa 24 horas por dia. Por vezes fraca e trémula, por vezes assustadoramente forte e brilhante.

O meu bebé-menino é agora um rapazinho. Um rapazinho que está prestes a entrar num mundo que desconhece onde os números ganham sentido e as letras formam palavras que voam e são viagens.

E apesar de todo o medo, de uma coisa tenho a certeza: no dia em que o for levar à escola pela primeira vez vou entregar-lhe a maior chave de compreensão do mundo. Infelizmente, em pleno século XXI, existirão cerca de 240 milhões de crianças ao redor do mundo que não terão a mesma oportunidade.

Mas o meu filho tem muita sorte. Os nossos filhos têm muita sorte. Quanto ao resto, haveremos de construí-lo juntos. Um dia de cada vez.

O caminho começa agora.

CARMEN GARCIA

Mãe de dois rapazes de 5 e 6 anos. O mais velho é surdo profundo com implante coclear. Enfermeira, atualmente a desempenhar funções numa empresa de tecnologia, num projeto que, integrando inteligência artificial, pretende melhorar a qualidade de vida dos idosos e empoderar os seus cuidadores. Colunista do jornal Público. Autora do best-seller infantil "uma lição de amor" e dos seus sucessores "uma lição vinda do mar" e "uma lição de paz". Lançou, em outubro de 2022, o livro "a última solidão" que vai na sétima edição. Autora da página "a mãe imperfeita" que conta com mais de 190 mil seguidores no Facebook e de 105 mil no Instagram.

Artigos relacionados

Nasceu o meu irmão
Pais e Filhos

Nasceu o meu irmão

Adriana Campos

Adolescentes sem rumo…
Pais e Filhos

Adolescentes sem rumo…

Adriana Campos

Voltar aos artigos
To Top