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Maria Emília Brederode Santos, presidente do Conselho Nacional de Educação, lança questões que ainda procuram respostas. Em entrevista ao EDUCARE.PT, diz o que pensa sobre o ensino à distância e fala sobre desigualdades sociais e tecnológicas, desmotivação dos alunos, inspeção de notas, preparação do próximo ano letivo, entre outros assuntos.
Maria Emília Brederode Santos, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão independente com funções consultivas, considera que a comunidade escolar se adaptou muito bem a um novo contexto, às circunstâncias excecionais impostas pela pandemia. Mas há o outro lado da questão. Qual o impacto do que aconteceu e do que foi feito? A eficácia e os custos psicológicos e financeiros das readaptações no ensino ainda estão por avaliar.
O encerramento das escolas, o recurso ao ensino à distância, a crise provocada pela pandemia, o acesso às tecnologias por parte dos alunos, destaparam desigualdades sociais e educativas. É um assunto que merece atenção de vários ângulos. “Mas a verdade é que não basta o acesso ao equipamento, é necessário também uma rede suficientemente potente e veloz, competências que permitam aos alunos lidarem com várias plataformas e materiais, e pais ou outros adultos disponíveis e preparados, conhecedores da cultura escolar e capazes de apoiarem os filhos nas aprendizagens. E é aí que as desigualdades são mais graves e mais difíceis de ultrapassar”, refere nesta entrevista.
A presidente do CNE, licenciada em Ciências da Educação pela Universidade de Genebra e mestre em Análise Social da Educação pela Universidade de Boston, não compreende as auditorias às avaliações internas anunciadas pelo Ministério da Educação. Parece-lhe uma medida escusada ou mal explicada. E, em seu entender, o pouco gosto dos alunos pela escola, cada vez mais evidente em estudos realizados, é um problema que deve conduzir a uma reflexão sobre tamanha desmotivação de quem aprende.
O próximo ano letivo está à porta. Maria Emília Brederode Santos entende que é preciso funcionar com vários cenários em cima da mesa e aproveitar o ensino presencial para “recuperar os alunos mais vulneráveis”. As aulas, na sua opinião, poderão ter lugar de várias maneiras, com vários tempos e em vários espaços. E, além disso, os métodos de ensino deveriam variar. “A aprendizagem por projeto e incidindo em questões ‘vivas’, complexas, verdadeiros problemas da nossa sociedade, poderá contribuir para aumentar o gosto dos alunos pelas aulas e para os ajudar a aprender a aprender”, sublinha.
EDUCARE.PT: As circunstâncias excecionais num tempo de pandemia alteraram substancialmente o modelo de ensino. A comunidade escolar readaptou-se bem a um novo contexto?
Maria Emília Brederode Santos (MEBS): Daquilo que hoje é possível apreciar, diria que a comunidade escolar se adaptou muito bem às circunstâncias excecionais com que foi confrontada, desencadeadas pela pandemia e o encerramento das escolas. A comunidade escolar - diretores, professores, alunos, pais… - fez um enorme esforço e conseguiu “recriar” outros modos de ensinar e aprender, designadamente à distância, através de novas e velhas tecnologias.
Mas não sabemos ainda nem a eficácia dessa “readaptação” (o que aprenderam de facto os alunos, por exemplo) nem os seus “custos” - e não falo só de custos financeiros. Falo sobretudo de “custos psicológicos”: qual o impacto emocional desta situação?
A escola física e relacional desempenha outros papéis para além da sua missão definidora de local de aprendizagem. Desempenha também - e estas circunstâncias excecionais mostraram-no bem - um papel de vigilância e proteção da criança e dos seus direitos (nomeadamente para crianças criadas em meios violentos ou negligentes); ou de satisfação das suas necessidades básicas (por exemplo através da alimentação); de apoio sócio emocional para situações de grande tensão e stress como esta; ou ainda de socialização entre pares, fundamental para o seu bem-estar e para o seu desenvolvimento social.
E: Os professores estiveram à altura deste desafio? Souberam responder, num curto espaço de tempo, a uma mudança tão significativa?
MEBS: Mais uma vez, tanto quanto nos é possível saber nesta altura, diria que sim, sem dúvida. Os professores fizeram um enorme esforço e, em poucos dias, conseguiram reaparecer aos seus alunos e assegurar a continuidade da sua educação. Foi um momento muito importante esse, em que, depois de uns dias em que os miúdos ficaram em casa, pasmados e assustados, os seus professores entraram em contacto com eles, com propostas de continuidade educativa. Os alunos sentiram-se reconhecidos, valorizados e confiantes de que não iam ficar abandonados. Os seus professores, a sua escola, não desistiam deles! Foi um momento-chave.
E: Como funcionou o ensino à distância? Quais os constrangimentos, quais os benefícios?
MEBS: A tentação mais imediata foi a de reproduzir “à distância” o modelo utilizado presencialmente. Mas se o professor trabalhava com os alunos usando uma variedade de métodos, procurando desenvolver a autonomia dos alunos, designadamente a autorregulação das suas aprendizagens, a adaptação terá sido mais adequada. Se o professor assentava as suas aulas sobretudo no método expositivo, poderá ter tido mais dificuldades, pois é um método que, à distância, é ainda mais cansativo e ineficaz, sobretudo para crianças mais novas. Outros professores limitaram a sua intervenção ao envio de fichas e trabalhos para casa. E outras situações terá havido que é preciso estudar e conhecer.
Mas quando falamos de “Ensino à Distância” estamos a falar de situações muito diferentes: via Internet em sessões síncronas e assíncronas; pela televisão com as aulas do “EstudoEmCasa” na RTP Memória ou com o aproveitamento da programação infantil da RTP2 enquadrada pelas orientações curriculares para o Pré-Escolar; ou ainda com as aulas proporcionadas pela RTP Madeira (que incluem aulas para o Secundário) e pela RTP Açores; ou, mais recentemente, com os programas radiofónicos “Bloco de Notas” na Antena 1 de apoio a certas disciplinas do Secundário… Ou seja: também os media, em especial o serviço público, se adaptaram rapidamente às “circunstâncias excecionais” e colaboraram com o Ministério da Educação para que a educação de crianças e jovens não fosse interrompida, tivesse continuidade.
Foi um esforço conjunto extraordinário também neste caso. Mas também aqui ainda não temos dados suficientes para saber como funcionou, por exemplo, a articulação entre esta oferta mediática e a oferta mais individualizada de cada escola e cada professor a cada aluno.
E: O ensino à distância fez sobressair desigualdades no acesso às tecnologias. Como resolver essa questão? Resolver com as escolas ou resolver com as famílias?
MEBS: A crise, o encerramento das escolas e o recurso ao ensino à distância tornaram mais visíveis as desigualdades sociais e educativas existentes na sociedade portuguesa e que estão longe de ser apenas as desigualdades de acesso às tecnologias. Mas é verdade que a sua utilização, de forma mais intensa, veio agravar aquelas desigualdades.
Várias entidades, especialmente as autarquias, intervieram para distribuir dispositivos (computadores, tablets ou telemóveis) e assim assegurar que todos os alunos tivessem equipamento. Creio que na maior parte dos casos essa distribuição se processou por empréstimo e através das escolas. Mas a verdade é que não basta o acesso ao equipamento, é necessário também uma rede suficientemente potente e veloz, competências que permitam aos alunos lidarem com várias plataformas e materiais, e pais ou outros adultos disponíveis e preparados, conhecedores da cultura escolar e capazes de apoiarem os filhos nas aprendizagens. E é aí que as desigualdades são mais graves e mais difíceis de ultrapassar.
E: As decisões do Ministério da Educação, num tempo nunca vivido, foram bem sustentadas e justificadas?
MEBS: As decisões que foram tomadas foram decisões muito difíceis e nem sempre, ou não totalmente, apenas pelo Ministério da Educação. Foram decisões que ultrapassaram as preocupações educativas porque se tratava de preservar a saúde de todos. Foi necessário ao poder político procurar equilibrar o “trilema” da pandemia: a preservação da saúde, a proteção social e económica e a capacidade de resistência do SNS [Serviço Nacional de Saúde].
E: O que poderia ter sido diferente? O que tinha mesmo de ser feito?
MEBS: O mundo tornou-se um laboratório experimental. Houve a tentativa de enfrentar a pandemia de outras formas, designadamente procurando a imunização da comunidade (o verdadeiro nome - imunizar o rebanho! - é horrível) e não procedendo ao confinamento. Mas muitos dos países que o tentaram ou arrepiaram caminho - como o Reino Unido - ou reconheceram o erro - como a Suécia - estão a ter resultados desastrosos - como os EUA e o Brasil. Embora não se possa dizer que houvesse uma única solução, uma única resposta possível, a verdade é que as respostas que não incluíram o confinamento da maioria das pessoas em suas casas se estão a revelar piores em termos de saúde dos cidadãos sem parecerem ter conseguido salvar a economia.
E: O regresso dos alunos do 11.º e 12.º anos às escolas e a reabertura das creches e do pré-escolar são decisões que se justificaram num quadro de desconfinamento geral?
MEBS: Mais uma vez se procurou uma solução de equilíbrio entre vários interesses e possibilidades, continuando a privilegiar-se a situação sanitária. Tendo em conta as necessidades económicas e psicológicas (quanto tempo mais aguentaríamos o confinamento?) de “desconfinar”, optou-se, e creio que isso não é polémico, por um desconfinamento parcelar e gradual que permitisse a necessária redução do número de alunos com vista a assegurar medidas de segurança e distância física.
Qualquer opção seria discutível. Neste caso optou-se pelos mais pequenos (creches e jardins de infância) provavelmente por razões sobretudo económicas - permitindo o regresso dos pais ao trabalho - e psicológicas (dos filhos e dos pais também!). A opção pelos mais velhos justificar-se-á pela sua maior maturidade, compreensão da necessidade de distanciamento físico e cumprimento de medidas de higiene e controle comportamental e também, provavelmente, pela realização de exames do Ensino Secundário e a questão do acesso ao Ensino Superior. É claro que os grupos etários escolhidos para começar o desconfinamento poderiam ter sido outros - tão discutíveis como estes. Para mim, o principal problema das opções seguidas foi poder sugerir uma importância excessiva dada aos exames.
E: O ministro da Educação anunciou auditorias às avaliações internas. É uma inspeção que faz sentido?
MEBS: Confesso que não compreendi bem esse anúncio. Interpreto-o como tendo uma intenção dissuasora da tentação de algumas escolas de inflacionarem as notas finais para efeitos de acesso ao Ensino Superior. Mas também pode ter o efeito perverso de os alunos não verem o seu trabalho valorizado se os professores preferirem manter as notas anteriores para não incorrerem na suspeita de o estarem a fazer.
Refira-se a este propósito que o Conselho Nacional de Educação tem divulgado algumas análises e estudos sobre a questão da inflação das notas, nomeadamente nos seus relatórios anuais sobre o Estado da Educação e, mais concretamente, nos Estado da Educação 2013 e Estado da Educação 2014. Numa perspetiva mais ampla, o CNE tem neste momento em curso um estudo sobre a questão do acesso ao Ensino Superior.
Num ambiente de tanta tensão e em que tantas pressões se exercem sobre as escolas e sobre os jovens, pareceu-me uma medida escusada ou insuficientemente explicada.
E: Segundo um estudo internacional, os jovens portugueses têm pouco gosto na escola e dão conta de uma pressão elevada dos trabalhos de casa. Serão estes dois dos maiores problemas crónicos do sistema de ensino?
MEBS: Pior do que isso: o gosto pela escola entre os alunos de 11 a 18 anos vai diminuindo com a idade - segundo a professora Margarida Gaspar de Matos (que coordenou esse estudo em Portugal), no webinar organizado pelo CNE a 8 de junho passado - e tem vindo a diminuir pelo menos desde 2002. A partir do inquérito de 2010 sabemos que do que gostam na escola é, por ordem decrescente: dos recreios, dos colegas, de algumas atividades de carácter mais festivo, das aulas e, menos ainda do que das aulas, da comida do refeitório… consideram as aulas longas, desinteressantes, distantes da vida e centradas demais nas notas.
E, sim, creio que esta é uma preocupação que nos deve levar a reapreciar a escola e a sua dificuldade em motivar os alunos, para lhes criar, ou pelo menos, manter, o gosto por aprender - que lhes será cada vez mais indispensável. Num mundo em mudança tão acelerada o “querer, poder e saber aprender ao longo de toda a vida” é cada vez mais importante e a escola tem de saber preparar para isso. Diria mesmo que é a sua principal missão.
E: O próximo ano letivo aproxima-se. Fala-se na possibilidade de manter o sistema misto de aulas presenciais e ensino à distância. Fará sentido apostar neste modelo? O que deveria, em seu entender, ser feito mediante um ano tão atípico?
MEBS: Sabemos muito pouco do que vai ser o próximo ano em termos de pandemia. Para o próximo ano letivo temos de funcionar com vários cenários e aproveitar bem os períodos presenciais para recuperar os alunos mais vulneráveis, para preparar melhor um possível regresso ao encerramento de escolas e para aprendermos a viver numa constante incerteza.
A primeira preocupação deverá ser com o bem-estar físico e emocional de alunos e professores. Reservar um tempo para que todos se possam reencontrar - mesmo que com os limites conhecidos - e falar sobre as suas vivências será indispensável. O distanciamento físico e outras condicionantes favorecerão um repensar das finalidades e organização da escola. As aulas poderão ter lugar de várias maneiras, com vários tempos e em vários espaços.
Os métodos de ensino também deveriam variar. A aprendizagem por projeto e incidindo em questões “vivas”, complexas, verdadeiros problemas da nossa sociedade, poderá contribuir para aumentar o gosto dos alunos pelas aulas e para os ajudar a aprender a aprender. Os dispositivos agora usados para o ensino à distância poderão ser úteis ferramentas para desenvolver competências de procura de informação, apreciação crítica das fontes, capacidades de comunicação e de divulgação.
A digitalização da escola acelerou. Utilizá-la num ensino misto ou híbrido será certamente um enriquecimento sem pôr em causa a relação pedagógica professor-aluno. O ensino exclusivamente à distância poderá funcionar excecionalmente, com alunos mais velhos, em cursos curtos, de atualização profissional, por exemplo, mas de preferência creio que será como complemento da relação presencial. Transformar os dispositivos de ensino à distância em ferramentas para uma aprendizagem mais autónoma parece-me um tema de reflexão indispensável para a escola e os professores. E para os alunos cuja participação deverá ser muito mais estimulada e acolhida!
Armanda Zenhas
Sara R. Oliveira
Município da Lourinhã
maistecnologia.com