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Rejuvenescer o corpo docente é uma questão consensual. Sabe-se que a maioria dos grupos de recrutamento de professores vai perder mais de metade dos docentes até 2030 e sabe-se também que a idade média de quem ensina é de 50 anos. Para Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), se não se avançar com medidas estruturais urgentes, tudo ficará na mesma. A classe continuará a envelhecer. “Muitos dos ‘novos’ professores que entraram para os quadros têm idade superior a 50 anos, alguns estando já muito perto da aposentação”, repara. O problema é antigo, persiste e aumenta. Filinto Lima indica alguns caminhos para travar a situação. “Tornar a profissão atrativa, diminuir a componente letiva a partir dos 40 anos de idade (outrora, regra) e atribuir a possibilidade de o professor a partir dos 60 reduzir parcial ou integralmente a sua componente letiva, convertendo-a em não letiva para apoiar projetos, integrar e acompanhar professores, entre outras funções imprescindíveis”.
Filinto Lima traça um retrato pouco animador do que acontece neste momento. “Os professores encontram-se desmotivados e exaustos, desejosos de demonstrações de carinho e respeito da parte de quem os tutela, assim como de ações positivas que contribuam para a valorização e dignificação da sua classe, atropelada por sucessivas políticas, conducentes a estado merecedor de intervenção pressurosa”. “O tratamento atribuído a estes briosos profissionais, a par da não atratividade que a carreira docente apresenta, vaticina que algumas disciplinas estejam ‘em risco de ficar sem professores numa década’ e existam, cada vez mais, vagas desertas para cursos que formam docentes, prevendo-se deficitária preparação dos futuros pedagogos”, sublinha.
Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), olha para o envelhecimento da classe docente como um dos maiores desafios que mais deve preocupar os responsáveis pela Educação em Portugal. Não amanhã, mas hoje. E é também a questão que, antes de terminar a próxima década, “mais radicalmente alterará o serviço público de educação”. Por isso, na sua opinião, “é absolutamente urgente pensar na renovação da classe docente até porque a não renovação terá, seguramente, implicações muito graves na educação das próximas gerações”.
A génese da questão e suas causas são conhecidas. Manuel Pereira recorda “a tradicional falta de planeamento e as sucessivas e múltiplas políticas que, ao longo dos anos, em nada contribuíram para a dignificação da classe docente, depauperando um capital que foi construído durante muitas gerações”. “De facto, ser professor não é o sonho dos jovens que hoje estão nos bancos das escolas ou universidades”, acrescenta.
Poucos jovens olham para a profissão de professor como um projeto de futuro. “Tudo porque, e repito, sucessivos governos e políticas educativas erradas contribuíram para desacreditar e desvalorizar uma profissão que devia ser protegida socialmente, publicamente enaltecida e detentora de autoridade reforçada”. Manuel Pereira pede mais atenção. “Num tempo em que valores fundamentais parecem esquecidos ou simplesmente vão desaparecendo, substituídos por outros onde o papel do professor é muitas vezes pouco valorizado, seria importante que a escola e os docentes fossem muito mais valorizados.”
O presidente da ANDE refere que é preciso confiar mais nos professores e no serviço público de educação. É fundamental valorizar socialmente a classe docente, tornando a sua carreira mais atrativa, estimulante e apelativa para que se possa solidamente encontrar o caminho para o seu rejuvenescimento, “não desperdiçando, necessariamente, o saber e a experiência de todos quantos, e são muitos milhares, estão na reta final do seu trabalho ativo como docentes”. “E esses vão sair do sistema quando já não há, nas universidades, quem possa vir a substituí-los!”, avisa.
O problema é conhecido e há soluções faladas em voz alta. Manuel Pereira diz que a resolução do problema tem vindo a ser adiada, quando se aproxima um tempo de não retorno, temendo que depois se encontre “uma solução que tenha sobrado entre as muitas que se foram desperdiçando”. “Para já seria necessário trazer para as escolas jovens professores que pudessem articular com os professores que estão na reta final da profissão. Talvez reduzir as horas de trabalho dos professores que já ultrapassam os 60 anos de idade, fazendo com que passassem a coabitar com os mais jovens durante algum tempo numa clara passagem de testemunhos pedagógicos e didáticos.” “Afinal os professores são o garante de uma sociedade mais justa, mais desenvolvida, mais igual e mais democrática. E sucessivas opções políticas parecem não querer valorizar essas garantias ao permitirem que o papel do professor tenha sido sucessivamente desvalorizado tanto em termos sociais como materiais!”, conclui.
O assunto é sério. João Dias da Silva, secretário-geral da Federação Nacional da Educação (FNE), tem vindo a afirmar que o futuro da Educação passa também por atrair novos profissionais, motivados, entusiasmados com a nobre missão de ensinar. É preciso atuar, intervir, pensar como colmatar necessidades que se vão sentir em determinados grupos de recrutamento. Haverá disciplinas em risco de não terem professores na próxima década.
Para João Dias da Silva, é preciso estancar o problema e ter em conta o intenso desgaste da profissão. “É necessário antecipar a idade de aposentação e intervir a nível da formação inicial dos professores, o que só terá efeito daqui a cinco anos”, refere. Na sua perspetiva, é preciso arregaçar as mangas e investir numa formação constantemente atualizada capaz de captar a atenção de quem quer ensinar.
A Federação Nacional dos Professores (FENPROF) acusa o Governo de nada fazer para garantir o rejuvenescimento da profissão docente. “A FENPROF, de há muito a esta parte, tem vindo a exigir medidas concretas, mas o Ministério da Educação e o Governo recusaram-nas sempre”, revela, em comunicado. A organização sindical defende um regime específico de aposentação, que tenha em conta o desgaste e índice de exaustão emocional dos docentes, a possibilidade de utilizar o tempo de serviço que esteve congelado para efeitos de despenalização da aposentação dos profissionais que ainda não atingiram os 66 anos e cinco meses, bem como a aplicação de um regime de pré-reforma previsto na lei.
Não é possível substituir os professores mais velhos por docentes mais novos de uma só vez e ao mesmo tempo. Jorge Ascenção, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), também defende que é preciso atuar. Tudo porque, sustenta, o envelhecimento da classe docente “é preocupante” ao ponto de se colocar um grande ponto de interrogação se, no futuro, haverá professores habilitados para que a Educação tenha continuidade.
“Se não houver uma renovação gradual da classe docente, esse facto pode ter impacto na profissão”. Os mais velhos saem, os mais novos entram, passa-se o testemunho. O assunto pede ponderação, reflexão. “É uma situação que exige repensar tudo aquilo que são as formações, as carreiras, e o estatuto da classe docente”, diz Jorge Ascenção. “Não é possível chegar a um determinado ano e substituir toda a gente”, acrescenta. O responsável pela CONFAP sugere um modelo de renovação gradual que valorize os conhecimentos e o saber acumulado dos mais velhos e a força e energia dos mais novos. Projetos em rede e parcerias para que a passagem de testemunho seja feita sem solavancos são igualmente importantes. “Há uma reflexão muito grande a fazer e que envolve todos”, remata.
Jorge Rio Cardoso, professor universitário e autor de vários livros sobre Educação, olha para o assunto de dois prismas. “O envelhecimento da classe dos professores é uma realidade. Todavia, se é verdade que urge rejuvenescer a classe com a entrada de professores mais novos, também é verdade que os professores mais velhos têm um capital que importa preservar e transmitir às classes mais jovens de docentes”. Defensor de “uma nova escola para Portugal”, título aliás do seu mais recente livro, não concorda que essa nova escola, com mais tecnologia, não possa ser concretizada com professores com mais idade. “Mesmo que estes professores mais velhos estejam alheados das tecnologias, cabe-lhes um papel fundamental na hierarquia, supervisionando o sistema no sentido de assegurar a continuidade”. “Se defendo um sistema que não deixe nenhum aluno para trás, também defendo um sistema que não exclua nenhum professor apenas por uma questão de idade ou por não dominar tecnologias”, realça. É preciso saber trabalhar uns com os outros, com mútuo respeito.
O rejuvenescimento da classe docente far-se-á pelo sistema normal de aposentação e não por qualquer programa de reformas antecipadas, em seu entender. “Os professores mais velhos não podem nem devem ser vistos ou tratados, como produtos descartáveis. Aliás, o reconhecimento da figura do professor é fundamental para uma melhor educação e quando falamos na figura do professor, não estamos a falar de idade, mas de toda a classe e do seu importante papel na sociedade”, refere Jorge Rio Cardoso.
Anabela Magalhães, professora de História do 3.º Ciclo do Ensino Básico, tem um blogue com o seu nome, e tem abordado o assunto várias vezes. Um problema grave que se tem empurrado com a barriga, um drama, como escreve. “A passagem de testemunho suave e natural, que já foi habitual um dia, não está a ser feita numa escala compatível com o que seria desejável e normal, porque há um fosso, um hiato criado artificialmente pelo poder político que travou as saídas de professores o mais das vezes esgotados, muitas vezes demasiado exaustos e impediu o mais possível as entradas de sangue novo, gente com sangue na guelra, disposta a agitar as instituições e a tirá-las, se possível, de alguma letargia existente que se acentuará, por certo, à medida que todo o corpo docente envelhece”.
Quem chega de novo já tem perto de 40 anos de idade e os professores abaixo dos 30 são muito poucos. Anabela Magalhães está apreensiva com a passagem de testemunho, antes feita de forma natural, agora de “forma abrupta e solavancada para não dizer mesmo à martelada”. “Por outro lado, a plasticidade, a dinâmica e a capacidade de adaptação, até mesmo o otimismo, de um corpo docente envelhecido não são os mesmos se a média etária desta classe profissional se situa pelos 30, pelos 40 ou pelos 50… um dia destes rondará os 60 anos em Portugal se os políticos que nos governam não tomarem medidas drásticas que possibilitem o rejuvenescimento desta classe que lida, no seu dia a dia, paradoxalmente, com os mais jovens, ou seja, que lida com o futuro da Nação”.
Haverá contingente suficiente para substituir milhares e milhares de professores que estão a chegar à idade da reforma? A pergunta pode estar em suspenso, mas, mais dia menos dia, terá de ter resposta. Num futuro não muito distante, provavelmente. “A situação vai ser de tal modo escandalosa a nível europeu que os nossos políticos vão ser mesmo obrigados a tomar medidas drásticas para se verem livres de um tão gigantesco número de professores velhos”, escreve no seu blogue.
Inês Marques, psicóloga clínica, coordenadora da área infantojuvenil da Oficina de Psicologia, vê professores com um brilho nos olhos quando falam da sua profissão, verdadeiros super-heróis, na sua opinião, mas afogados em papéis, burocracias, metas e conteúdos programáticos, turmas de grandes dimensões, alunos com múltiplas exigências. Vê professores cansados e desfocados do que consideram que é essencial, ou seja, ensinar. E tudo isso cria resistência à mudança e rotinas em piloto automático.
“Reparo frequentemente numa incapacidade (de tempo, de competência, de motivação) para a integração de novidades ou ajustamentos, metodológicos, pedagógicos. A isto acresce um risco real: o burnout. Que obviamente tem impacto na relação professor-aluno e na capacidade de o professor desempenhar as suas múltiplas funções”, adianta. Os professores são uma das profissões mais vulneráveis ao desenvolvimento de patologias associadas ao stress profissional. E o burnout é “como num copo de água que vai enchendo, gota a gota, até que começa a transbordar”.
É importante atenção aos sinais de esgotamento físico e emocional: fadiga crónica, insónias, concentração e atenção diminuídas, alterações de apetite, preocupação constante, sintomas depressivos, maior probabilidade de doença física e possíveis alterações de humor. Sentimentos de apatia e desesperança, aumento de irritabilidade, absentismo laboral, falta de produtividade e redução na qualidade do desempenho, são também sinais de alarme.
A prevenção é essencial, segundo Inês Marques. É preciso investir em várias vertentes para que os professores mais velhos não fiquem ainda mais cansados e desmotivados. Organizar o horário de trabalho. Respeitar pequenas pausas. Delegar funções. Respeitar o sono e o tempo de descanso. Desacelerar antes de adormecer. Privilegiar o convívio com pessoas de quem se gosta. Introduzir nas rotinas atividades relaxantes e que dão prazer. Ter cuidado com a alimentação. Fazer exercício físico.
“Um aluno que tem aulas com um professor cansado, com menos paciência, menos entusiasmado, monocórdico nas palavras e nos gestos, mais em registo de piloto automático, é um aluno que poderá também ter mais dificuldade em aprender, em se motivar para a aprendizagem, em sentir prazer na escola”, repara a psicóloga que revela que, ao longo da sua prática clínica, e com muitos processos de orientação vocacional realizados a estudantes, não vê jovens motivados ou com interesse para a profissão docente. “Sinal de que não reconhecem o valor da mesma? Sinal de que não a veem como uma profissão de futuro? Sinal de que reconhecem a exigência da mesma, não identificando neles próprios um perfil adequado?” “Vale a pena refletir sobre isso”.
Inês Marques vê uma realidade e gostaria de ver outra. Ou seja, refere, que “o envelhecimento da classe docente fosse sinónimo da possibilidade de desacelerarem”, como reconhecimento de tudo o que os professores “terão dado aos seus imensos alunos ao longo da sua carreira, sinónimo de sabedoria, sinónimo de acolhimento de novos professores”. “Gostava que fossem (mais) valorizados e admirados pelas famílias. Gostava que fossem vistos como modelos de referência. Gostava que tivessem uma maior disponibilidade para acolherem a novidade do ponto de vista pedagógico (particularmente importante considerando as idiossincrasias e múltiplas realidades em contexto de sala de aula) e abertura para experimentar e implementar ‘coisas’ novas que, em última instância, se traduziria numa maior satisfação deles, no maior envolvimento dos alunos, no maior sucesso académico”.
Sara R. Oliveira
Adriana Campos
Sara R. Oliveira