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Começou por relatar um incidente em que a polícia teve de intervir. Segundo ela, estaria perto de um grupo de jovens amigos, que provocaram danos numa máquina de alimentos e, apesar de afirmar ser apenas observadora, foi chamada a depor junto da autoridade. Deste incidente, o seu relato “saltou” para a descrição da sua incapacidade de frequentar as aulas. As faltas eram já muitas e, apesar de querer ser assídua, algo a puxava para um mundo que não era compatível com o espaço da sala de aula. Queria ser alguém e por isso sabia que teria de mudar de rumo, mas uma força mais poderosa que ela, barrava-lhe a determinação em ser diferente e em seguir um caminho alternativo. Não bateu à porta na busca de uma solução; o que ela precisava é que a solução que já trazia fosse aceite e implementada por quem tinha poder para tal: o pai.
A avó, com quem sempre vivera, estava doente e envolvida no cuidado de outros familiares mais doentes e ainda mais idosos que ela e, por isso, a energia que sempre tivera noutros tempos havia-se esgotado. Esta adolescente já não cabia na casa onde sempre vivera, pois, agora que a irmã se fora embora, ela era apenas habitada por idosos fragilizados e por uma solidão impossível de suportar. A solução que vislumbrava era um colégio interno, onde fosse obrigada a cumprir regras e a frequentar as aulas. Sabia que seria uma opção dura, mas não via outra forma de mudar de vida. A casa dos pais não era vista como uma alternativa, pois essa casa nunca fora sua e, apesar de lhe darem tudo o que precisava em termos materiais, nunca lhe tinham dado o resto, que era, afinal e em conclusão dela própria, o que mais precisava. Não conseguia optar entre uma casa cheia de solidão, que já não sentia como sua, e uma casa que nunca lhe pertencera; por isso, o colégio interno, do qual, segundo ela, nem valeria a pena sair ao fim de semana, era a única solução que vislumbrava para poder vir a ser alguém.
Da sua história escolar faz parte, desde o 5º ano, altura em que foi sinalizada para o Serviço de Psicologia e Orientação, a falta de assiduidade, sempre justificada pela avó, que desta forma julgava protege-la. Apesar dos excelentes diretores de turma que tivera e do papel ativo destes no sentido de responsabilizar esta jovem e também à avó para a importância da assiduidade, a mensagem nunca surtiu o efeito desejado e o problema foi-se mantendo, embora com oscilações.
É curioso como esta adolescente viu no colégio interno, fantasiado à sua maneira, a única entidade que lhe podia impor as regras que a família nunca tinha sido capaz de impor. É curiosa a sua sede imensa de limites.
São jovens como esta que se vão cruzando na minha vida profissional; uns batem à porta, outros não. Em comum, uma grande maioria deles tem vidas caracterizadas pela ausência de limites e regras. Alguns têm algum suporte familiar e um contexto marcado por alguma afetividade; outros, porém, nem regras nem afetos, apenas uma elevada desestruturação familiar.
No atendimento de pais tenho permanentemente o cuidado de os sensibilizar para esta necessidade que os filhos têm de ouvir “não” e de serem confrontados com barreiras limitadoras à sua ação. Frequentemente, os pais só se apercebem desta necessidade quando os filhos já são adolescentes e manifestam uma total repulsa em aceitar as orientações dos mais velhos.
Numa realidade marcada por um ritmo muito acelerado, em que o tempo parece ter encolhido, resta por vezes pouco tempo e energia para a tarefa exigente e esgotante que é educar!
ADRIANA CAMPOS
Licenciada em Psicologia pela Universidade do Porto, na área da Consulta Psicológica de Jovens e Adultos e mestre em Psicologia Escolar. Detentora da especialidade em Psicologia da Educação e das especialidades avançadas em Necessidades Educativas Especiais e Psicologia Vocacional e de Desenvolvimento da Carreira atribuída pela Ordem dos Psicólogos Portugueses. Atualmente desenvolve a sua atividade profissional no Agrupamento de Escolas do Padrão da Légua em Matosinhos.
Andreia Lobo
Adriana Campos
Adriana Campos
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