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O Afonso tem sete anos. Está na segunda classe numa escola pública da Lousã. Gosta de futebol e é doido por jogos de computadores. Está a aprender música e a tocar bateria e viola numa associação recreativa. Quando vai ao supermercado com a mãe, não faz birras, nem pede para encher o carrinho de compras. Por vezes, pergunta se isto ou aquilo é caro. Miguel tem cinco anos e está na creche da Santa Casa da Misericórdia da Lousã que privilegia o contacto dos mais novos com os mais velhos. Idoso é uma palavra que aprendeu bem cedo. É um menino astuto e perspicaz. Também estuda música e está a aprender a tocar piano na associação recreativa. Carminho tem três anos e anda no jardim-de-infância da Misericórdia. Menina alegre que gosta de bailarinas, da princesa Sofia e da doutora brinquedos, de brincar com a mãe, de ajudar a fazer bolos a sério. O Zé Maria tem dois anos e, na família, é conhecido como o todo-o-terreno. Sempre preparado para tudo. O Pedro tem oito meses e é o elemento mais novo da família Gonçalves Lopes. Está em casa com a mãe.
O pai, a mãe, e cinco filhos. Uma família numerosa que se orgulha de respirar o ar puro da Lousã, com serras a perder de vista e a 30 minutos de Coimbra. Rita Gonçalves é a mãe, conhecida, por aqueles lados, como a mãe dos cinco filhos – o que lhe soa muito bem. Fernando Lopes é o pai. Ambos têm 35 anos. “Temos uma qualidade de vida muito boa”. “Uns pensam que somos ricos, outros pensam que somos loucos. Todos têm razão”. O plano de ter o típico casal, um menino e uma menina, ficou pelo caminho com o nascimento do segundo filho rapaz. Rasgaram-se os planos. Rita é mãe a tempo inteiro. Era professora de Português e Francês do 3.º Ciclo e Secundário. Com trabalho sem tempo definido e destinos incertos, resolveu dedicar-se à família que ia aumentando. A logística que a profissão de professora obrigava para trabalhar apenas um mês tornava o esforço incomportável. É mãe por vontade própria. Com muito orgulho. Para se manter atenta e desperta, escreve crónicas que uma amiga vai enviando para jornais distritais e regionais. Rita admite: “Não é fácil fazer a gestão”. Mas tudo acaba por se encaixar. Está em casa com o pequeno Pedro, vai buscar os filhos à escola, não precisa de pagar serviços de ocupação de tempos livres. Uma hora é suficiente para o transporte de todos num trajeto em que não há filas de trânsito. Fernando, o marido e pai, é assistente de administração numa empresa em Miranda do Corvo. De manhã, deixa os filhos na escola, na creche e jardim-de-infância da Misericórdia que tem uma horta em que os mais pequenos veem morangos a crescer. A mensalidade é definida consoante o rendimento e a família Gonçalves Lopes paga pouco pelos três filhos.
“Vivemos no campo”, descreve. O apartamento no centro de Lousã começou a ficar pequeno. Compraram uma casa velha para recuperar aos poucos, sobretudo com recurso aos conhecimentos e mãos do pai Fernando. E esse trabalho de recuperação da casa, essa partilha de esforços, ajudam os mais pequenos a perceber que tudo o que vale a pena exige dedicação e empenho. As prioridades têm de estar bem definidas. “Não há bolachinhas de marca, nem iogurtes de marca, mas linhas brancas. Há coisas mais necessárias do que outras”. Não há mealheiros privados. O Afonso sabe que se receber dinheiro da família que o deve entregar ao pai. Afonso não tem playstation, que tanto queria, nem tablet. Nem é tanto pelo dinheiro. “Ainda não chegou a hora, não é a altura certa”, diz a mãe Rita. O pátio lá de casa é o palco de muitas brincadeiras. E todos são mimados.
Quando a família está completa, o carro de sete lugares fica preenchido. Quanto aos apoios, há alguns. Mas poucos, muito poucos. Ajudas municipais para comprar manuais escolares e pouco mais. A tarifa da água é familiar, o que faz baixar o preço da fatura. Na eletricidade já não há essa diferenciação e na saúde não há qualquer comparticipação especial. “Não temos qualquer isenção”. Rita vai gerindo os cheques-dentista. E na vacinação fora do programa definido, o preço é igual para todos, tenham mais ou menos filhos. “Somos uma família como as outras, não há facilidades”. “É uma opção nossa, sabemos para o que vamos”, refere, mas, mesmo assim, não percebe porque nas contas das finanças o ordenado do marido é dividido por dois e não por sete. “Na saúde, é mesmo escandaloso. As pessoas estão muito habituadas a serem tratadas como números”, comenta.
Mónica Guimarães também tem cinco filhos. Petra de onze anos, Pilar de dez, Paloma de seis, Manuel de cinco e Miguel de três. Mónica trabalha no escritório de uma loja comercial e o marido é gerente de loja. Ela tem 37 anos, ele 40. A família mora em Mangualde e não é muito complicado gerir os dias. Está tudo definido e o facto de as distâncias não serem demasiado longas também ajuda. As filhas mais velhas levantam-se e fazem o
As duas filhas mais velhas andam no ensino articulado, têm um segundo instrumento, têm aulas de Inglês, praticam dança, natação e ainda fazem parte do coro da paróquia. Muitos percursos são feitos a pé e os sogros de Mónica dão uma ajuda ao final do dia. Mónica só sai do trabalho pelas sete da tarde e no comércio não há férias em agosto e nas alturas festivas o trabalho intensifica. Almoçam todos os dias em casa, menos às quartas-feiras. Ajudas? Apoios estatais para uma família com sete elementos do agregado familiar? “Metemos as despesas no IRS”, resume na resposta. Poupar é um verbo conhecido. Aproveitam-se os saldos das roupas, compra-se vestuário e calçado para anos seguintes, aproveitam-se os descontos nos cartões do supermercado.
Mónica Guimarães sabe que é uma privilegiada por acompanhar o crescimento de cinco filhos. “São todos diferentes, não só física como intelectualmente. É um desafio”. Que compensa e que dinheiro nenhum consegue pagar. Petra começou a falar muito bem e muito cedo. Paloma é a mais teimosa. Diziam-lhe que um filho era o que tinha de ser, dois o normal, três o começo de uma família, quatro um desafio e cinco uma loucura. Loucura que não assusta esta família de Guimarães.
“Só tenho três filhos”, diz Beatriz Rebelo, 41 anos, professora no Instituto Politécnico da Guarda, aluna de doutoramento, no início da conversa. Gostaria de ter mais, gostaria de ter uma menina, mas a realidade teima em lhe mostrar que não é assim tão fácil. É mãe de Carlos de 16 anos, excelente aluno, aluno de quadro de mérito, que quer estudar Física – destacando-se nas competições regionais e distritais em que tem participado. É mãe de Diogo de 11 anos e de Guilherme que está prestes a fazer três anos. O marido também é professor. A família mora em Trancozelos, em Penalva do Castelo.
Beatriz Rebelo centra a conversa no futuro e não no passado, nem no presente, num dia a dia que se vai levando. As suas palavras dirigem-se ao futuro. “O meu maior receio é não podermos dar-lhes aquilo que eles querem”, desabafa. Carlos, o filho mais velho, até gostaria de estudar no estrangeiro, mas o orçamento familiar não estica. Há uma casa para pagar, despesas mensais para cumprir. Mesmo com bolsa de estudo, haveria outras despesas a suportar numa saída para uma universidade estrangeira. As contas foram feitas pela família que conta com dois salários e não tem ajudas extras. “Não temos apoios de lado nenhum”. Nem no material escolar, nem a nível da saúde. E mesmo que os filhos queiram concorrer a bolsas de estudo, o facto de os pais terem rendimento, que não é dividido por todos os elementos do agregado familiar, coloca-os fora da corrida.
Os dois filhos mais velhos andam no inglês, o que implica viagens a Viseu três vezes por semana. Beatriz Rebelo considera importante esse investimento na educação dos rapazes. Há coisas que têm de abdicar. “Não nos podemos dar ao luxo de fazermos férias”, revela. Mas tudo vale a pena pelo bem-estar dos filhos que são, acima de tudo, diz, “o meu projeto de vida”.
A Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN) divulga informação pertinente, esclarece dúvidas, ouve queixas, promove encontros. Ana Cid, secretária-geral da APFN, garante que as famílias querem ter mais filhos, o problema são os obstáculos que encontram pelo caminho. E são vários. Dificuldades em encontrar infantários e creches e os custos que isso comporta. E como a prioridade de irmãos foi desconsiderada, o desaparecimento desse critério complica a vida às famílias que, muitas vezes, têm de andar de escola em escola a levar e buscar os filhos. A prioridade na seleção da escola, sobretudo para garantir a proximidade, deveria, em sua opinião, estar acautelada para quem tem vários filhos.
Ana Cid não usa a palavra benefícios, mas sim equidade e justiça. “Em Portugal, há uma leitura correta de quem tem maior rendimento paga mais impostos e quem tem menor rendimento paga menos impostos”. Só que essa repartição não é feita por quem vive na mesma casa. “Essa leitura tem de ser feita pelo número de pessoas que vive desse rendimento”, avisa. “As famílias numerosas abdicam de muito, fazem as suas escolhas, são lutadoras, sentem um enorme privilégio de ter mais filhos e de os verem crescer”, remata.
Adriana Campos
Andreia Lobo
Adriana Campos
Adriana Campos