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Nos próximos cinco anos, cerca de 20% dos professores estarão na reforma, nos próximos 10 estima-se que serão 58%, mais de metade da classe. A falta de professores é um problema que se agrava ano após ano e as consequências podem ser complexas. Neste momento, a situação é complicada nas áreas da Grande Lisboa e Vale do Tejo, Algarve e em alguns sítios do Alentejo. As causas são conhecidas. O que tem sido feito e o que falta fazer?
Paula Carqueja, presidente da Associação Nacional de Professores (ANP), tem várias explicações. “A falta de professores explica-se muito simplesmente pela não atratividade de uma profissão desgastada e desgastante; pela instabilidade de uma colocação, de um horário - de um vencimento; pelas exigências de resposta a outras atividades que ultrapassam a função docente; pela falta de condições laborais, distância da residência, falta de apoios financeiros para as deslocações, aquilo que a maioria das profissões têm: as ajudas de custo, a viatura, o seguro de saúde, o seguro de risco, etc.”, refere.
Há mais razões. A informação transmitida e repetida de que há excesso de docentes e falta de vagas, a degradação do estatuto profissional e social dos professores, bem como, sustenta, “a falta de investimento dos sucessivos governos na Educação e de uma ação estratégica concreta e na aplicação de medidas que produzam efetivamente o aliciamento dos jovens para a docência”. “Há um grande desprestígio da profissão. Ser professor é ter muita responsabilidade, muita obrigação e pouca ou nenhuma valorização”.
Há poucos alunos nos cursos que habilitam para a docência, “uma vez que o horizonte profissional é desmotivador”, e um desinvestimento das universidades, que seria essencial e desejável, na formação de professores. O impacto de tudo isso, na sua opinião, reforçará as tão faladas desigualdades. “Um país sem professores é um país sem desenvolvimento cultural, científico, social e económico. Sendo a Educação de um país a sua riqueza principal e fundamental, podemos considerar que o nosso país será um país empobrecido a todos os níveis”, avisa.
O que fazer? O decreto-lei que rege o concurso de docentes deve ser reformulado e melhorado para que os futuros professores tenham uma visão global no acesso ao mercado de trabalho, carreira docente. “Torna-se urgente, e já é tardia, uma reflexão política para serem encontradas e promovidas soluções, para reforçar esta profissão que deve ser uma profissão central para o século XXI. Torna-se urgente uma reflexão para que não se repita o que aconteceu nas décadas de 70/80 do século passado, quando houve a necessidade de contratar pessoas com habilitações académicas multidisciplinares, e insuficientemente ou deficientemente qualificados e sem conhecimentos pedagógicos e que eram denominados de docentes”, recorda.
A profissão docente pode ser mais atrativa de várias maneiras. A presidente da ANP aponta alguns caminhos. Um nível remuneratório adequado às exigências atuais e ao custo de vida, menos burocracia na função docente, e uma profissão “mais prestigiada, valorizada e dignificada pelos governantes e opinião pública”. Reconhecer a profissão como fundamental no desenvolvimento da sociedade, valorizar a pessoa professor, clarificar a componente letiva e não letiva nos horários de trabalho, rever as habilitações de acesso à profissão. Apostar em campanhas na comunicação social para sensibilizar jovens estudantes para a opção e importância de ser professor e em campanhas nas escolas, promovidas pelo Ministério da Educação, “para fomentar o interesse nos jovens em serem professores”.
Manuel Pereira, professor, diretor escolar, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), comenta que só quem anda muito distraído não terá ainda percebido que a falta de professores não é um problema de hoje, é um problema que se arrasta e que piora de ano para ano. Com os devidos impactos. Com o estimado volume de reformas, não haverá professores disponíveis para ocupar esses lugares. As escolas superiores de educação estão vazias e quem entra não coloca a docência como primeira opção. “A Educação não pode sobreviver com legionários que vão para cursos de docência porque não têm outra solução”.
A maioria dos professores não aceita horários incompletos ou temporários, são períodos muito curtos, há ainda despesas com deslocações e todos os custos associados. “O sistema precisa urgentemente de uma aspirina porque está com uma dor de cabeça”, diz Manuel Pereira. Desde logo, a tutela deveria tentar que os horários incompletos na área da Grande Lisboa, uma das mais fustigadas com a falta de professores, possam ser considerados completos. Por outro lado, as autarquias e as associações de municípios deviam arranjar formas de cativar professores para os seus territórios, à semelhança do que foi feito quando não havia médicos no interior do país, “que forneçam habitação ou financiem habitação”. “Há professores que não ganham para o que gastam”.
Outra maneira de contornar a falta de professores, como medida imediata, seria convidar professores aposentados para darem aulas de algumas horas em disciplinas chave. “Seria mais uma aspirina”. Além disso, as escolas deviam ter autorização imediata para avançar para a oferta de escola para preencher horários sem esperas ou perdas de tempo.
“Em situações extraordinárias têm de ser tomadas soluções extraordinárias”. O presidente da ANDE lembra que, muitas vezes, as administrações escolares esbarram na legislação e que é necessária maleabilidade para tomar decisões pontuais a título excecional. A lei não pode atrapalhar. Manuel Pereira teme que o país recue aos anos 80 do século passado, quando havia gente a vestir a pele de professores sem habilitações. “Ou se prepara o futuro de imediato ou a situação agudiza-se a cada dia que passa”. Se ontem o cenário era mau, hoje é ainda pior. Na sua opinião, para estimular a carreira docente, diminuir a burocracia que encrava vários procedimentos, e para dignificar a imagem do professor, é preciso atuar já.
Filinto Lima, professor e diretor escolar, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), refere que há um problema estrutural, de fundo, e um problema conjuntural que pode ser resolvido de imediato, por exemplo, através da contratação de escolas, nas chamadas reservas de recrutamento, contornando uma espera que pode durar duas semanas e duas rejeições de horários. A questão, sublinha, é que “não houve investimento na carreira docente, na profissão”. “Os ministérios não deram valor, até desvalorizaram a função de professor e a respetiva carreira”.
Filinto Lima defende a abertura de uma vinculação extraordinária. A norma-travão deve ser atualizada, em seu entender, para permitir que professores contratados há 10, 15, ou mais anos, entrem nos quadros. “É importante que o sistema os agarre”, diz. Por outro lado, as autarquias das zonas mais afetadas deviam arranjar formas de atrair quem ensina, encontrar mecanismos que de atração e fixação de professores. Este envolvimento municipal é importante para que não haja sítios sem professores durante muito tempo.
O presidente da ANDAEP receia um retrocesso complexo e difícil de entender. “Não podemos regressar ao século passado, aos anos 80 e 90, em que tínhamos professores com habilitações mínimas. Será que é isso que queremos para o nosso país?”, questiona. É preciso atuar já. Nos périplos de norte a sul do país, a ANDAEP já tinha percebido que o problema é grave e que só piora. Há anos que tem alertado para a falta de professores e suas consequências. “É um problema nacional, não é deste Governo ou deste ministério, é um problema que deve envolver todos os participantes, políticos, professores, e a própria sociedade”, defende.
O professor Paulo Guinote vai direto ao assunto, sem rodeios. “A falta de professores resulta de uma política errada de gestão dos recursos humanos ao longo dos últimos 20 anos, porque se associou uma desconsideração pública dos professores à proletarização crescente da sua condição material. Ainda há poucos anos tínhamos dezenas de candidatos ao concurso externo que ficavam por colocar”, refere.
“Com o argumento de serem ‘caros’, os professores sofreram uma dupla penalização: os contratados viram as suas condições de trabalho serem cada vez mais precárias, desde a forma como são colocados a concurso os horários à própria contagem do tempo de serviço (para efeitos de concurso ou mesmo para a Segurança Social); os professores de carreira viram a sua progressão ser estrangulada, enquanto desapareciam anos completos de trabalho realizado”, acrescenta.
A pouca capacidade de atração para a carreira docente não é de estranhar, na sua opinião, e as consequências mais graves não se ficam pelo tão falado envelhecimento da classe. Até porque o que se verifica é, repara, “um verdadeiro corte geracional entre os professores em exercício, em que muita experiência se perde e não é compensada por qualquer ‘formação’ (inicial ou contínua) que é assegurada há décadas pelas mesmas pessoas, que estão há muito ultrapassadas nas suas conceções da docência”.
A profissão tem de ser atrativa para, defende Paulo Guinote, quem “queira desenvolver uma carreira sem estrangulamentos artificiais”. Há maneiras de abordar o assunto e de resolvê-lo. “Dignificar o trabalho dos professores contratados, reduzindo a precariedade que leva a que tenham de ser colocados em duas ou três escolas para completarem um horário. Não mudar regras dos concursos sempre no sentido de dificultar a vinculação ou de conseguir horários completos na contratação”. E não só. “Alterar um discurso político que menoriza de forma sistemática os professores, como se fossem peças facilmente substituíveis. Já se percebeu que não são”.
O professor Alexandre Henriques, autor do blogue ComRegras, usa uma expressão para abordar o assunto: “uma tempestade anunciada”. “Há muito que se sabia que os professores estavam a sair do sistema sem existir uma renovação natural. O problema está efetivamente aí, na falta de interesse dos jovens pela profissão docente”. E as causas, na sua perspetiva, são óbvias, ou seja, carreira pouco atrativa a nível financeiro, principalmente no início da carreira. Desvalorização e desgaste da imagem do professor na sociedade. Aumento da indisciplina escolar. Elevada burocracia e falta de confiança no trabalho docente, onde tudo tem de ser justificado. A quase obrigatoriedade de deixar a família no início da carreira, entre outras razões.
“Mas a questão que se deve colocar não é o motivo para a falta de professores, mas sim quais os motivos para que até hoje nada tenha sido feito para resolver este problema. Estamos perante um caso grave de negligência onde os responsáveis pertencem a vários governos e ministros da Educação”, refere.
Adriana Campos
Armanda Zenhas
Armanda Zenhas
Sara R. Oliveira