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Passei o fim de semana de 30 e 31 de outubro e 1 de novembro no Festival Insonho, do qual voltarei a falar neste texto. Com ele ainda fresco na memória e nas emoções, vi-me de volta ao caminho para a escola (então designada de primária) da minha infância. Como lá cheguei?
Nesse fim de semana o imaginário das nossas crianças apresentava-se marcado pelo Halloween, corporizado nas bruxas e nas caras talhadas em abóboras ocas. Mas essas bruxas e essas abóboras que, para as crianças e jovens de hoje, se colam ao Halloween, fazem, de muito longa data, parte do imaginário tradicional português. Contrapondo as tradições portuguesas a esta tradição importada das culturas britânica e norte-americana, vi-me de regresso ao caminho de 2km pelos montes que, na companhia de todas as crianças da minha aldeia, fazia para chegar até à escola numa aldeia vizinha. Os montes eram habitados por seres que tínhamos de conhecer e de que precisávamos de nos saber defender, cumprindo os rituais necessários. Não eram, assim, a lama dos caminhos, a geada que calcávamos no inverno ou o mato que nos arranhava as pernas a atormentar-nos a marcha. Ao longo do caminho o Homem sem Cabeça e a Maria Gancha espreitavam-nos à espera que, incautos, caíssemos nas suas garras. Bendita a maldita Maria Gancha que, com os seus braços e unhas afiados em forma de gancho, ameaçava arrastar para o fundo dos poços os meninos que ousassem debruçar-se sobre eles e que, assim, mantinha longe deles as crianças temerosas.
O caminho por onde eu ia para a escola é hoje uma estrada. A escola de quatro grandes salas que eu frequentava é hoje a sede de uma associação cultural. Em sua vez nasceu uma escola muito maior, para todos os ciclos do ensino básico, que, novamente, recebe as crianças da minha aldeia, depois de a escola do 1.º ciclo, que, entretanto, nela abrira, ter fechado portas há uns bons anos. Estou em crer que hoje o Homem sem Cabeça e a Maria Gancha não assombram as crianças a caminho da escola, já que, para além da abertura da estrada no lugar do antigo caminho pelos montes, mudaram os modos de deslocação entre aldeia e escola.
A globalização trouxe a colonização do imaginário infantil pelas tradições do Halloween, favorecida pela sua abordagem nas escolas pelos professores de Inglês, a quem compete (e bem) dar a conhecer as tradições do mundo de língua inglesa, com particular enfoque no Reino Unido e nos Estados Unidos da América. Pena é que a mesma energia não seja colocada, pelas escolas, de um modo mais global e sistemático, na divulgação e animação das tradições portuguesas, nomeadamente daquelas que dizem respeito a este período do ano. Que é feito do “pão por Deus” ou do (menos conhecido) Santoro que levava (e ainda leva, mas em muito menor escala) as crianças de diversas zonas do continente e ilhas às ruas no dia 1 de novembro? Deles não tem conhecimento a maior parte das crianças que, na noite de 31 de outubro, andaram a pedir/prometer “doçura ou travessura”. E que é feito da memória das abóboras ocas com olhos e boca escavados, podendo ter ou não uma vela no seu interior, também transportadas pelas crianças nessas ocasiões, iguaizinhas às que vemos atribuídas ao Halloween como se fossem inovação em Portugal importada com essa tradição? E que dizer das muitas bruxas que povoam o nosso imaginário, trazidas à vida, por exemplo, a cada sexta-feira 13 em Montalegre, mas que, por ocasião do Halloween, parecem ter sido importadas diretamente dos Estados Unidos como se nunca tivessem morado por cá?
A divulgação e o conhecimento de tradições de outros países nada têm de errado. O que me entristece é que se façam acompanhar de uma colonização de tal modo forte e eficaz que as nossas tradições acabam completamente secundarizadas, obscurecidas e quase esquecidas. Por isso fiquei tão grata à organização do Festival Insonho que, pela terceira vez, nos veio dar a conhecer melhor as nossas tradições e fazer reviver antigas criaturas fantásticas do imaginário popular português. Por lá se reanimou a tradição do “pão por Deus”, se contaram histórias dessas criaturas, se relembraram e recriaram mezinhas, esconjuros, feitiços e bruxedos. Longa vida e muito sucesso ao Festival Insonho, para que continue a contar, a encantar e a fazer sonhar; para que continue a contribuir para divulgar e ajudar a reviver a tradição cultural portuguesa e o seu imaginário. Mal posso esperar pela edição do próximo ano. Sabe bem conhecer melhor e festejar as nossas tradições.
ARMANDA ZENHAS
Professora aposentada. Doutora em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. Mestre em Educação, área de especialização em Formação Psicológica de Professores, pela Universidade do Minho. Autora de livros na área da educação.
Professora profissionalizada nos grupos 220 e 330. Licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas, nas variantes de Estudos Portugueses e Ingleses e de Estudos Ingleses e Alemães, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Professora profissionalizada do 1.º ciclo, pela Escola do Magistério Primário do Porto.
A informação aqui apresentada não substitui a consulta de um médico ou de um profissional especializado.
Armanda Zenhas
Adriana Campos
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